Herbert de Perto
Documentário sobre Herbert Vianna evita o melodrama
Cinebiografia narra a trajetória do líder e cantor da banda Paralamas do Sucesso
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Sentado diante de um aparelho de TV, Herbert Vianna assiste a uma imagem antiga dele mesmo, captada na segunda metade dos anos 80. Olhar confiante, à beira da arrogância, o então jovem músico em ascensão no cenário do rock nacional fala sobre o futuro com ares de quem acredita mantê-lo sob controle.
Diante dessa manifestação quase constrangedora de prepotência, o Herbert de hoje sorri e comenta que o Herbert de ontem - ao menos o que aparece naquelas imagens, inquieto e "bocudo"- era um bobo, não sabia nada da vida. O processo se repete mais algumas vezes, com cenas do passado, pessoal e profissional, revistas por ele.
Mais do que apenas oferecer espaço para esse processo de autorreflexão, o documentário "Herbert de Perto" adota uma estrutura que convida seu personagem a olhar para a própria trajetória e reavaliá-la, de modo às vezes rigoroso, às vezes carinhoso, mas sempre com a disposição de encarar sem pudores o que passou.
Somente o fato de aceitar esse convite para uma autoanálise em arena pública diz muito sobre a personalidade que os diretores procuram investigar, com o uso de cenas de arquivos e dezenas de entrevistas. O resultado tende a agradar especialmente aos fãs do músico, mas não se confunde com um filme de fã, inclusive porque o próprio Herbert, ao falar de si mesmo, mata na raiz qualquer tentativa de criar um mito em torno dele. Impõe-se, por contraste, a ideia de que estamos diante de um trabalhador da música que nunca deixou de fazer a lição de casa.
Na primeira parte, o documentário explora as circunstâncias em que Herbert se aproximou do rock e conheceu os parceiros que formariam com ele os Paralamas do Sucesso. Ao se dedicar à fase inicial na carreira da banda, o documentário ajuda também a entender o cenário pop da cultura brasileira dos anos 80. Entre as músicas e cenas de show, alguns momentos se destacam, como a apresentação na primeira edição do Rock in Rio, em 1985, a proximidade de Herbert com a Argentina e a gravação de "Uma Brasileira".
A frase "one more time", que se repete em canção, ainda ecoa quando o título se dedica ao "segundo tempo" do personagem, em seguida ao acidente com um ultraleve em Angra dos Reis, em 2001, que matou sua mulher e o deixou paraplégico.
Embora as lágrimas corram em alguns depoimentos e a emoção suba de tom, não se adota uma perspectiva choramingas. Ao contrário: o processo de recuperação é exposto com sobriedade e bom humor, sobretudo quando são apresentados os detalhes de sua nova rotina e a continuação da carreira com a gravação de "Hoje".
Até mesmo a que talvez seja a mais emotiva das sequências do filme, em que Herbert canta em homenagem à memória da esposa, sentado à mesa com a família, termina registrado pela câmera de um modo tão íntimo e caseiro que o sentimentalismo não se sente autorizado a se intrometer naquele momento.
HERBERT DE PERTO
Direção: Roberto Berliner e Pedro Bronz
Avaliação: bom
(Folha de São Paulo, 9 de outubro de 2009)