Wednesday, January 31, 2007

Amargo Pesadelo



Amargo Pesadelo


(Deliverance; 1972. Dir.: John Boorman;Com: John Voight e Burt Reynolds)

Por Henrique Wagner


O rio Cahulawassee, nos montes Apalaches, desce violentamente por entre, sobre e ao largo de suas rochas. Solto, livre, é uma espécie de cobra muito arisca e saliente. No entanto, como Deus não deu asa a cobra, o rio Cahulawassee será reprimido: seu futuro é o de uma represa, ele será, no máximo, um lago, a serviço do homem citadino.

John Boorman (que dirigiu Esperança e Glória, entre outros) decide colocar quatro homens da cidade, pais de família, dentro desse rio. O líder é o entusiasta e aventureiro Lewis Medlook (Burt Reynolds), que teve a “grande idéia” de se despedir do famoso rio convidando três amigos a descerem-no de canoa, dois em cada embarcação. Com exceção de Lewis, todos são inexperientes no assunto.

A história decorre dessas águas. O filme é tortuoso e regular, ao mesmo tempo, mas sobretudo vertiginoso. A vertigem tem a medida exata tanto da imperícia de três dos quatro homens quanto da sede de liberdade do rio, espécie de canto do cisne, sua última oportunidade de mostrar-se inteiro, pronto, vivo, disposto a permanecer.

Em uma pequena sucessão de tragédias o dia vai finalizando suas atividades alheio aos acontecimentos. Salta do filme essa altivez ou indiferença do céu, muito azul, das rochas, solenes e inflexíveis, da água seguindo seu curso em direção ao conforto.

Lentamente sufocante, o filme de Boorman cria uma forte simbologia, uma inversão de valores: de repente os tais homens da cidade, ordeiros e pacatos, são levados a praticar atos comuns entre selvagens, numa relação negativa à civilização instituída. A trilha sonora reitera a metáfora, uma vez que é construída, a princípio em som direto, a partir de um dueto entre o violão de Drew (Ronny Cox), integrante da trupe, e o banjo de um garoto da região.

Jon Voight (que teve antológicas atuações em Campeão, Perdidos na Noite, entre outros) e Ned Beatty – que está excelente em um personagem absolutamente castrado pela vida em sociedade – completam o elenco desse que é um filme atual, e, me parece, sempre será, enquanto ainda existirmos.

É interessante fazer um paralelo entre o filme de Boorman e dois outros realizados posteriormente: Short Cuts e Sobre Meninos e Lobos.

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