Dias de Paraíso

DIAS DE PARAÍSO (Days of heaven, 1978), de Terrence Malick, com Richard Gere, Brooke Adams, Sam Shepard, Linda Manz.
ANDRÉ SETARO (exclusivo para a Casa de Cinema)
Dias de Paraíso (Days of heaven, 1978), de Terrence Malick, que foi lançado comercialmente nos cinemas com o título de Cinzas no Paraíso, é o segundo filme do diretor, e considerado a sua obra-prima, realizado cinco anos depois de Terra de ninguém (Badlands, 1973), sua fita de estréia – cujo comentário se encontra postado aqui no blog. Obra de rara beleza, com paisagens deslumbrantes em planos gerais que se assemelham a quadros pictóricos, tem uma narrativa cujo registro é evocativo (a narradora é a irmã do personagem principal, Richard Gere, uma adolescente de 16 anos).
Malick se caracteriza por uma narrativa elíptica, que, com isso, evita a emergência do sentimentalismo, sempre o seu desenrolar com um tom seco, cortante, a provocar, no máximo, emoções mudas. Days of Heaven é um filme sobre a esperança e a alegria de viver que foram reprimidas no coração daquela que narra. E a impressão que deixa é a de que, pelo tom evocativo, o que ela narra é um pretérito que já se desmanchou no seu presente, deixando, porém, as suas marcas. É uma história, portanto, de uma busca pela colocação no mundo. Findos os dias de paraíso, o que resta é a amargura, a falta de perspectiva, e o futuro desconhecido.
Com um cenário de infortúnios quase bíblicos: praga de gafanhotos, assassinatos, Days of Heaven é uma obra singular dentro do panorama do cinema americano da década de 70. Poucas vezes um realizador captou tão bem a paisagem do Texas, com a imensidão de seus espaços, os seus trigais. Cada enquadramento de Malick se assemelha, como disse, a uma pintura, tal a disposição dos homens e dos objetos no quadro.
O cineasta é também um detalhista pela procura em dar densidade à ambientação, quer no exterior (os planos de detalhes dos gafanhotos, dos diversos animais que habitam a paisagem), quer no interior (os objetos da casa, dispostos no enquadramento como uma espécie de natureza morta – uma jarra com uma bebida vermelha e dois copos numa bandeja, etc). Mas o filme não teria a sua beleza tão pungente não fossem os diretores de fotografia Nestor Almendros (cubano que depois desse filme se firmaria como um dos melhores iluminadores do cinema) e Haskell Wexler (que teve sua participação diminuída por questões de briga com o estúdio, mas iluminou metade do filme), dois artistas da luz, que se preocuparam em registrar quase todos os planos ou ao amanhecer ou ao anoitecer, com o objetivo de dar ao filme uma coloração de fogo. A partitura musical de Ennio Morricone é outro ponto alto com uma trilha que produz a sensação de saudade, de melancolia.
A ação transcorre durante os anos que precederam a Primeira Guerra Mundial. Richard Gere (em um dos seus primeiros papéis – virou celebridade quatro anos depois em A Força do Festino, de Taylor Hackford) vive perambulando à procura de emprego com sua amante (Brooke Adams), e sua irmã adolescente (a excelente Linda Manz). Empregado como foguista em Chicago, tem um desentendimento com seu chefe e o mata. Resta-lhe fugir, ir para o Texas, onde se emprega numa plantação de trigo em época de colheita, cujo proprietário (Sam Shepard, ainda bem jovem, dramaturgo famoso, que se casou com Jessica Lange) se apaixona pela sua mulher.
Vindo a saber que o fazendeiro tem apenas um ano de vida, convence a companheira a se casar com ele para, depois, herdar o seu dinheiro. Mas não estava nos planos deles que ela viesse a se apaixonar pelo marido. A praga de gafanhotos é como uma premonição do desastre que se avizinha, com os realinhamentos emocionais que se refletem na personalidade da narradora.
Roger Ebert, famoso crítico americano, observou: “Cinzas no Paraíso é, antes de qualquer coisa, um dos mais belos filmes jamais realizados. A proposta de Malick não é contar um melodrama, mas uma história sobre esforços inúteis. Seu tom é elegíaco. Ele evoca a solidão e a beleza das ilimitadas pradarias texanas. Na primeira hora do filme, há raríssimas cenas interiores. Os trabalhadores rurais acampam sob as estrelas e trabalham no campo. O filme coloca os humanos num quadro cheio de detalhes naturais: o céu, rios, campos, cavalos, faisões, coelhos.”
A ver obrigatoriamente.
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